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Ganhos e perdas na adoção do Contrato Verde Amarelo

22 jan 2020 – Trabalho / Previdência

Uma análise detalhada sobre os efeitos das medidas da MP 905 que estabelece o formato de contrato de emprego chamado Verde e Amarelo permite concluir que os efeitos estabelecem um grau de riscos, de ganhos e perdas, que precisam ser vistos com muita atenção. O primeiro impacto relevante é a grande redução de custos para contratação e manutenção de empregos; este impacto aliado a outros pontos da medida cria riscos da MP não ser aprovada no Congresso Nacional; muito do seu conteúdo pode ser declarado inconstitucional a partir de provocações ao STF. Tem mais: a norma permite significativa redução de juros nas reclamações trabalhistas e no seguro de periculosidade e uma certa concorrência com terceirização e trabalho temporário.
Temos ainda diversas outras alterações que facilitam novas contratações. Mas polêmica é que não faltará: a MP já tem centenas de emendas.

Vejamos pontos chaves:

Condições para admitir funcionários na nova modalidade

É preciso que o funcionário esteja no primeiro emprego e que este seja gerado no momento e não resultado de demissão. Ou seja, quanto ao empregado, que ele não tenha nenhum outro registro em carteira no tempo anterior, tenha entre 18 anos a 29 anos, vá receber até R$ 1.497,00 (um salário mínimo e meio), a duração de contratação seja de no máximo dois anos, começando após 1-1-2020 e indo até 31-12-2022 (no entanto, se o contrato começar nesse período, poderá continuar nas mesmas condições até seu final, após 2022). Evidente que o objetivo é gerar empregos para essa faixa etária, uma das mais problemáticas entre os milhões de desempregados, onde há muito jovem querendo entrar no mercado sem ter experiência e referências. Obedecidos os limites referidos, o contrato pode ser refeito, mais de uma vez, frise-se, até o limite de dois anos. Se o vínculo continuar após o período, passará a ser considerado por tempo indeterminado, incidindo todos os encargos legais e normas de convenções, a partir desse momento.

Ressalte-se que tais contratos tem as reduções de custos abaixo expostas, mas que continuam a vigorar os benefícios previstos na Constituição, que não podem ser derrogados por uma lei ordinária, muito menos por uma MP.

Outro limite a se observar é que as empresas não poderão ter mais de 20% de seus funcionários contratados por esse sistema. Pode haver exceção para as com menos de dez funcionários, que poderão ter 2 deles nesse tipo de modalidade, ou seja, uma empresa com cinco funcionários teoricamente poderá contratar outros dois.

Importante reiterar que só se poderá contratar nessa modalidade para novos postos de trabalho, não se contando, no entanto, para evitar a contratação, os que são apenas aprendizes ou estão em contrato de trabalho intermitente ou de experiência. Se a empresa demitir um funcionário com o qual tenha algum tipo de contrato de trabalho, só poderá contratá-lo pela modalidade CVA após 180 dias de afastamento.

Jornada, horas extras, compensação de horas

A duração da jornada diária de trabalho no âmbito do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, desde que estabelecido por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. Também por essas modalidades de acordo podem ser acertados o valor da hora extra, tendo como mínimo um acréscimo de 50% do valor da hora normal, o banco de horas, e a compensação de jornada, dentro do mesmo mês de trabalho. A compensação de horas no prazo de até seis meses.

A redução de custos pela nova contratação

O governo concordou em renunciar à contribuição previdenciária patronal (20%), em suprimir o pagamento do Sistema S, do SEBRAE, do INCRA (0,2%) e do salário educação (2,5%). Reduziu a multa do FGTS devida ao trabalhador por demissão sem justa causa (passa de 40% para 20%, mas vale mesmo na demissão com justa causa) e renunciou ao adicional de 10% a que tinha direito nesses casos (demissão sem justa causa). Reitere-se, essa multa será devida mesmo em demissão por justa causa. Com essas reduções o custo de um emprego desse tipo cairá de 102% para 58%. Para alguns analistas a desoneração da folha salarial, pode chegar a 36%. A diferença fica por contas das variáveis supra referidas.

Por sua vez, a contribuição mensal do FGTS será pela alíquota de 2%. O 13º salário e as férias acrescidas do 1/3 continuam devidas, mas estas verbas, como os 2% do FGTS, podem ser pagas no fim do mês, ou até períodos menores, junto com a remuneração, se houver acordo entre empregador e empregado ou então serão pagas ao final do ano ou do vínculo. Para o funcionário, no caso do pagamento mensal, ou até “menor período” se acordado, o valor recebido no período é maior que a remuneração, no entanto , ele não receberá a soma de verbas rescisórias no final, como costuma acontecer em modalidades de empregos existentes. Para o empresário, especialmente de pequena empresa, que sequer tem condições de pensar em reservas, esta forma de pagamento o ajuda a observar com mais precisão o fluxo de caixa, margens etc. No final a rescisão se tornará menos onerosa.

Para maior segurança as convenções coletivas não se aplicam a esta modalidade de contratação e os aumentos possíveis só poderão incidir após 12 meses de existência do contrato. Pelo texto legal, mesmo prevendo a aplicação da convenção após 12 meses, a remuneração não pode ultrapassar o limite previsto em lei, um salário mínimo e meio. Mas é um dos artigos que gerará polêmica, inclusive nos locais onde se ganha gorjeta, há muita hora extra etc.

A redução do seguro de periculosidade

O empregador terá outra vantagem caso contrate seguro privado de acidentes pessoais para os contratados dessa modalidade, que possam correr algum risco ou exposição ao perigo (exposição permanente do funcionário pelo período mínimo de 50% do tempo de trabalho): o valor do adicional de periculosidade pode ser reduzido de 30% para 5%. O seguro contra acidentes precisa cobrir morte acidental, danos corporais, danos estéticos e danos morais. Este é outro item que gerará polêmica, eis que o seguro dificilmente cobrirá perdas de maior gravidade em acidentes de trabalho, ou a responsabilidade objetiva em profissões de risco. A MP nada diz sobre adicional de insalubridade.

Redução dos juros de mora e correção nas condenações

A MP também reduz os juros das condenações, que eram de 1% ao mês, independente da correção pela TR ou IPCA-E. Fixou os juros iguais aos aplicados à poupança, adicionados do IPCA-A, o que resultará em aproximadamente 7% ao ano, ainda razoavelmente elevado, mas longe do que era antes. Como as aplicações rendem em média 4% ou 5% ao ano, convém que as empresas continuem a tentar fazer acordos em reclamações, sempre que surgirem ocasiões favoráveis (campanhas de conciliação da Justiça do Trabalho, contatos possíveis com reclamantes ou seus advogados etc).

Essa alteração, de juros e correção, também poderá gerar discussões quanto a sua aplicação em reclamações que já estão em andamento, algumas delas já com cálculos feitos, até homologados. Estes últimos podem prevalecer, pois se trata de coisa julgada processual, com características de direito adquirido etc. Mas os demais poderão ser questionados, pois toda lei federal incide imediata e diretamente em processos em andamento.

Concorrência com terceirização e trabalho temporário

Relevante acrescer que a MP permite que se contrate esse pessoal para qualquer atividade profissional, seja de forma transitória ou permanente, ou para realizar a substituição temporária de outro funcionário permanente. Não é a mesma coisa que terceirização e contrato de trabalho temporário feitos com outras empresas, mas há certas aproximações e pode-se discutir se haverá impactos nessas modalidades de contratação, vez que as feitas pelo CVA, diretamente com o empregador, terão seus custos bem mais reduzidos. Parece-nos, inclusive, que o Governo Federal só a previu para janeiro sabendo que festas de fim de ano sempre geram novos empregos temporários e aliviam a situação dos desempregados. As empresas de terceirização ou contrato temporário terão que se debruçar sobre a MP, examinar suas ameaças e oportunidades. Há benefícios e custos que terão que ser avaliados, como impactos sobre contratação de aprendizes, deficientes, verbas rescisórias, custo de seleção e contratação e outras.

Questionamentos Constitucionais

A MP já enfrenta diversas ações no STF que procuram questiona-la totalmente ou apenas artigos isolados. Alega-se que a redução drástica de direitos advindos da relação de emprego afronta a Constituição, tanto como pagar nas empresas salários diferenciados conforme modalidades de contratação, pelo mesmo tipo de serviço prestado (fere a isonomia etc).

Um questionamento à MP toda e que fatalmente será ajuizado é de que seu conteúdo não apresenta matéria de urgência que justifique essa forma de apresentação. Poderia ser mais bem elaborada se o Planalto enviasse um projeto de lei ou permitisse, antes, audiências públicas (que ainda são viáveis).

Riscos para as empresas

Além de questionamentos constitucionais há outros riscos. A MP 905, como tantas outras, pode não ser aprovada e então, as diversas situações criadas terão que ser revistas, como se ela não tivesse existido. Nesse caso, o Senado deveria fazer um decreto legislativo regulando situações decorrentes da não aprovação, mas isso não tem ocorrido. Pode acontecer então da empresa contratar alguém pelo CVA e depois de 120 dias, se a MP não for aprovada, ter que pagar ao trabalhador tudo que não pagou nesse período e que seria devido por um contrato pela CLT tal como vige agora. Entendemos que também existe o risco de juízes não aceitarem que o trabalhador não seja razoavelmente indenizado devido ao seguro previsto de 5% e demais verbas garantidas por um trabalho normal, ou de um colega que exerce a mesma função, nos contratos rotineiros. A MP lembra que são quatro tipos de indenizações (ver acima). Entendemos que a empresa pode pensar em contratar com maior abrangência, ou mantendo os 30%, evitando se beneficiar dessa previsão, mas reduzindo os riscos.

Há ainda questionamento possível na renúncia do governo aos 10% do FGTS que lhe cabe em demissões imotivadas. Conforme o constitucionalista Diogo Telles Akashi, isso só poderia ser feito através de lei complementar, pois por lei deste tipo foi imposto. Se assim interpretarem os tribunais, as empresas podem demitir tais funcionários sem recolherem os 10% e futuramente terem que fazê-los, com juros, correção e quiçá até com multas.

Cabe à empresa observar se, mesmo assim, interessa contratar, se os benefícios compensam os riscos. Claro que pode ser interessante, mas melhor ainda se acompanhar os rumos da política, declarações de lideranças e analisar as chances que tem a MP de ser aprovada.

*Percival Maricato, sócio do Maricato Advogados Associados

Fonte: Estadao

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