3 mai 2017 – IR / Contribuições
Investidores com valores maiores ainda resistem em trazer de volta recursos para o Brasil
Apesar de ser chamado de “repatriação”, essa não é a melhor definição para o programa que legalizou bilhões em recursos clandestinos no exterior.
Um levantamento realizado por meio da Lei de Acesso à Informação, identificou que a imensa maioria do dinheiro não voltou para o Brasil.
Segundo a Receita Federal, foram regularizados R$ 152,7 bilhões até agora, mas permanecem lá fora R$ 126,1 bilhões – quase 83% do total. O Banco Central registrou a entrada no País de R$ 26,6 bilhões. Detalhe: o grosso, R$ 151,6 bilhões, pertence a pessoas físicas.
Segundo advogados que trabalharam na regularização, essa parcela menor foi trazida, principalmente, pelos pequenos investidores, com menos de R$ 1 milhão. Tanto é assim que os quase R$ 27 bilhões repatriados entraram no Brasil por meio de 10.194 contratos de câmbio. Isso indica que, na média, cada contrato foi de R$ 260 mil.
Investidores com valores maiores ainda resistem. Contam que tiraram o dinheiro do País para ter uma espécie de “seguro” contra a instabilidade do Brasil e não acham que é hora de voltar.
“A maior parte dos investidores prefere deixar o dinheiro lá fora até as coisas se acalmarem; querem ter uma reserva em moeda forte contra os riscos econômicos e políticos daqui. Tem crise, desemprego, Lava Jato. Ainda não estão acreditando no Brasil”, diz Ordélio Azevedo Sette, sócio fundador do Azevedo Sette Advogados, que já fez mais de 100 procedimentos de regularização.
A legalização mostrou que é antiga a prática de “exportar” capital clandestinamente em tempos mais sensíveis. Pode-se dizer que o fluxo do dinheiro ilegal conta a história das crises brasileiras.
“No meio do trabalho da repatriação, a gente pode ver, claramente, que os grandes movimentos de envio de recursos para o exterior foram em momentos pré-riscos políticos”, diz o advogado tributarista Tiago Dockhorn, sócio do escritório Machado, Meyer, que coordenou pessoalmente mais de uma centena de repatriações.
Dockhorn pontua as ocasiões que mais lhe chamaram a atenção: 1986, época do Plano Cruzado, do presidente Sarney; 1990, no confisco de Fernando Collor de Mello; 2002, quando ficou claro que Luiz Inácio Lula da Silva ganharia as eleições. “Passamos por tudo isso e estamos todos aqui, vivos, com o País aberto e funcionando.”
Câmbio
Há razões financeiras também para manter o dinheiro fora do Brasil. Se o recurso foi conquistado no exterior, não está sujeito à tributação. Mas se for dinheiro gerado no Brasil e remetido para fora, a variação cambial vai fazer a diferença na volta. É preciso pagar imposto de 15% a 22,5%, dependendo do tamanho do ganho com a oscilação do valor da moeda.
Pela lei da repatriação, o patrimônio mantido no exterior foi declarado com base num dólar a R$ 2,65. Hoje a cotação passa de R$ 3. Quem trouxer o dinheiro agora vai ter um custo.
Pesa também a questão da diversificação. “A realidade do mercado lá fora é totalmente outra: tem cultura de investimento de longo prazo, uma enorme diversificação de produtos que a gente ainda não encontra aqui, por mais que o mercado local já tenha se desenvolvido”, diz Adalberto Cavalcanti, sócio da RB Capital, uma subsidiária do grupo financeiro Orix.
O Orix serve de exemplo. Tem sede no Japão, está presente em 37 países e oferece alternativas de investimento como obras de infraestrutura em municípios, construção de aeroportos e projetos de energia solar.
Os especialistas também acreditam que, após estruturar um investimento no exterior, fica desconfortável voltar atrás, de uma hora para outra.
“Há também uma razão psicológica para esse dinheiro não estar voltando: a pessoa organizou esse dinheiro lá fora, muita gente até herdou ou está com o dinheiro há muito tempo no exterior, e não pensou na sua situação patrimonial em termos de lá fora e aqui dentro – mantém lá fora para não ter de tomar a decisão agora”, diz Beny Podlubny, sócio da XP Investimentos, a maior corretora do País.
5 países abrigavam 87% do dinheiro
Pelos dados já disponíveis, não dá para saber exatamente qual é o perfil do brasileiro que remeteu dinheiro clandestinamente para fora e decidiu legalizá-lo.
Os escritórios de advocacia atenderam clientes de porte variado – alguns profissionais liberais e até professores. Mas os dados oficiais de quem investe lá fora e participa da pesquisa do Banco Central indicam que a parcela mais graúda dos recursos pode estar nas mãos de poucos.
Em 2015, mais da metade dos US$ 388 bilhões declarados pertencia a 41 investidores, pessoas físicas e jurídicas.
Também não há dados oficiais mostrando onde está o dinheiro legalizado que não retornou. Mas dá para ter uma ideia observando de onde veio o dinheiro que já voltou.
Cinco países abrigaram 87% dos recursos de brasileiros que retornaram. A maioria desses países tem em comum o fato de serem considerados “paraísos fiscais” – local onde as regras de tributação e operação são mais flexíveis.
A escolha faz todo o sentido quando se lembra que parte desse dinheiro, se não foi herdado ou adquirido lá fora, deixou o Brasil por vias clandestinas. São eles: Suíça, com US$ 3,5 bilhões, seguida por Ilhas Virgens Britânicas (US$ 1,6 bilhão), Estados Unidos (US$ 1,5 bilhão), Bahamas (US$ 1,2 bilhão) e Panamá (US$ 867 milhões).
Legalização
O total de recursos legalizados até agora equivalia, pelo menos, a 39% do capital brasileiro no exterior declarado ao Banco Central em seu mais recente levantamento (os tais US$ 388,1 bilhões de 2015).
Para chegar a esse número, a reportagem usou a cotação do dólar prevista na lei da repatriação – R$ 2,65. Como ainda há dinheiro clandestino lá fora e o processo de legalização continua, a proporção de recursos clandestinos tende a ser maior ainda.
Em 2015, ao todo, 36.474 pessoas físicas residente no Brasil e 4.088 empresas cumpriram com a obrigação de declarar seus capitais no exterior quando a cifra ultrapassa US$ 100 mil.
O número de pessoas que admitem ter recursos fora do País cresce ano a ano. Praticamente triplicou desde que o Banco Central passou a divulgar o dado, em 2001. Naquele ano, foram registradas 13.426 pessoas e 1.805 empresas.
Mas a concentração desses recursos em mãos de poucos investidores sempre foi altíssima. Em 2001, os 20 que guardavam mais de US$ 1 bilhão no exterior eram responsáveis por 66% do total. Em 2015, eles respondiam por 54% do total de capital brasileiro mantido legalmente fora do País.
A maior parte desse dinheiro estava em investimentos diretos – US$ 283 bilhões. Mas havia outras modalidades de investimentos, como os R$ 5,7 bilhões que estavam aplicados em bens imóveis.
As Ilhas Cayman, um paraíso fiscal no Caribe, era onde mais os brasileiros concentravam os seus recursos legalizados no exterior. Ali, 1.248 investidores mantinham US$ 58,6 bilhões.
Fonte: Estadão