12 jan 2017 – IR / Contribuições
Uma das formas de enfrentamento do crime organizado é o “Estado organizado”. A avaliação é do presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antonio Gustavo Rodrigues. O órgão do Banco Central é uma peça central na prevenção e combate à lavagem de dinheiro.
Segundo Rodrigues, a melhor forma de atuação é reunir os diferentes órgãos, como Polícia Federal, Polícia Civil, Receita, Banco Central e Ministério Público para ver para o enfrentamento do crime organizado.
Uma experiência desse tipo foi feita logo após os ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) em 2006, em São Paulo. Na ocasião, com ajuda dos dados do Coaf, as investigações descobriram uma evolução na movimentação financeira do PCC, antes concentrada em pequenas lojas e muitas pessoas físicas, para o uso de negócios mais estruturados, como postos de gasolina. A troca de informações continua até hoje.
Segundo Rodrigues, há demandas chegando todo dia sobre movimentações suspeitas e deve haver pedidos relacionados às investigações mais recentes sobre as organizações envolvidas nas rebeliões em presídios.
A estratégia de “seguir o dinheiro”, segundo Rodrigues, é um enfoque recente na luta contra organizações criminosas. Esse modelo ficou bastante difundido pela Operação Lava-Jato, na qual são constantes as informações sobre o caminho do dinheiro – saindo de estatais, passando por empresas de fachada, consultorias, doleiros, paraísos fiscais e até mesmo onde esse dinheiro foi utilizado pelo destinatário final das propinas.
Desde 2004, no Coaf, Rodrigues lembra que naquela época era mais fácil pedir a prisão de um suspeito do que pedir o bloqueio do dinheiro dele. “Essa mentalidade está mudando”, diz, complementando que sempre apontou que é mais difícil para alguém fugir se não tiver dinheiro disponível. “Então, primeiro prende o dinheiro e, depois, o cara.”
Essa cultura de “seguir o dinheiro” vem sendo construída ao longo dos anos, e de acordo com Rodrigues, o papel do Coaf foi fundamental, pois passou a oferecer às procuradorias estaduais e outros órgãos os relatórios de inteligência produzidos pelo órgão.
Outra iniciativa importante nesse sentido foi a instituição da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), em 2003, que reúne mais de 60 órgãos dos Três Poderes.
De acordo com Rodrigues, o mensalão, em 2005, foi uma alavanca para a Lava-Jato, pois naquele momento já se tinha toneladas de informação financeiras, mas faltaram as delações premiadas, essenciais à Lava-Jato.
Segundo Rodrigues, quem ainda está preso pelo mensalão são justamente os intermediadores financeiros, como Marcos Valério. Isso porque enquanto o político comete um crime, o intermediário comete o delito inúmeras vezes para atender inúmeros políticos. Assim, sua pena é multiplicada.
“Quem está preso são os intermediários. Agora, traz isso para o modelo atual. O cara que era intermediário foi para delação, reduzir a pena dele”, explica.
Para Rodrigues, essa mudança de mentalidade, com maior enfoque no dinheiro, delação premiada ” começa a ter mais repercussão positiva na sociedade e isso acaba refletindo no trabalho que temos junto às empresas”, disse.
A busca de colaboração mais estreita da sociedade vem sendo feita pelo Coaf por meio da ampliação da base de empresas que tem de manter cadastro junto ao órgão e fazer comunicações quando se deparam com certos tipos de operação, como compras de carros, joias e bens de luxo pagas em espécies ou compradas para terceiros.
Segundo Rodrigues, esse é um processo para que as pessoas e empresas não sejam utilizadas pelo bandido. De acordo com ele, o empresário é uma pessoa de bem, mas por vezes fecha os olhos para operações fora do normal. O que é estranho, explica, nem sempre é ilegal, mas até pouco tempo não tinha quem falasse sobre o que fazer nessas situações.
É nesse ponto que o Coaf vem trabalhando, enviando cartas para concessionárias de veículos, joalheiras, lojas de obras de arte e objetos de luxo alertando sobre a necessidade de fazer cadastro junto ao órgão e alertando para a necessidade de comunicar operações. “São empresas que não estão acostumadas a ser reguladas”, disse.
Há um esforço concentrado no setor de venda de veículos. O Coaf está de olho em compras com dinheiro à vista e empresas que adquirem carros para terceiros. “No mensalão e na Lava-Jato, sempre tem alguém ganhando uma Land-Rover [marca de automóvel]”, exemplificou. Outro ponto acompanhado é compra de frotas, que acontece com desconto de imposto.
A ideia, segundo Rodrigues, é aumentar o grau de conscientização dos setores. No caso de joias, o esforço que vem sendo feito vai continuar, ainda mais depois dos casos envolvendo o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral Filho com compras pagas em espécie de joias e relógios.
Fonte: Valor Econômico