14 fev 2019 – Contabilidade / Societário
A maioria das companhias não estão preparadas para implementar uma nova norma contábil que trata do arrendamento, ou leasing, nos balanços. A conclusão faz parte de um estudo global da KPMG sobre a implementação dessa regra, conhecida como IFRS 16, e que começou a valer neste ano em mais de cem países, incluindo o Brasil.
A consultoria entrevistou executivos de 800 companhias, situadas nas Américas, na Europa e na região Ásia Pacífico. De acordo com a pesquisa, 67% das empresas informaram que ainda não estão preparadas para adotar a nova regra em seus balanços.
Entre as companhias consultadas, apenas 25% relataram já ter avaliado os efeitos contábeis da mudança. Do total de entrevistados, 44% relataram já terem feito o inventário completo de suas operações de arrendamento. Os outros 56% sequer concluíram a realização dos inventários.
Lucio Anacleto, sócio-líder de contabilidade e risco financeiro no Brasil da KPMG, disse que, embora a pesquisa não tenha ouvido empresas brasileiras, os resultados apurados refletem bem a situação das companhias no país.
“Temos em andamento mais de 50 projetos de companhias no Brasil para enquadrar os resultados à norma IFRS 16. Do que vemos no país, os índices de adequação à nova regulamentação são bem parecidos com os resultados da pesquisa”, afirmou Anacleto.
A norma IFRS 16 foi emitida em janeiro de 2016 pelo Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês), responsável pela elaboração das chamadas Normas Internacionais de Demonstrações Financeiras (IFRS, em inglês). A norma requer que as companhias incluam no balanço patrimonial a maioria dos arrendamentos. O Iasb estima que mais de US$ 2,2 trilhões em contratos que ficavam fora dos balanços agora serão reconhecidos.
Entre as companhias mais afetadas com a mudança na regra estão companhias aéreas, redes varejistas, empresas de base florestal e petrolíferas.
Os arrendamentos serão reconhecidos no balanço como despesas financeiras. Antes do IFRS 16, muitas empresas reconheciam os contratos de aluguel de ativos como despesas operacionais. Com a mudança, o lucro operacional e o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) aumentam. Já o endividamento líquido, que é a relação entre a dívida da empresa e seu Ebitda, diminui, à medida que o Ebitda fica maior.
As empresas também terão que reconhecer a depreciação dos ativos arrendados, o que terá efeito negativo no lucro líquido.
A Gol, por exemplo, informou no terceiro trimestre que sua dívida líquida, apurada no acumulado de 12 meses até 30 de setembro de 2018, cairia entre R$ 1,7 bilhão e R$ 2,7 bilhões com a adoção da nova regra. A dívida líquida da companhia aérea, apurada no período no padrão contábil anterior, chegava a R$ 14,67 bilhões. A margem de lucro operacional teria aumento de 4 a 5 pontos percentuais, saindo de 11% para até 16%.
Em outro exemplo, a Renner informou que vai reconhecer no balanço de 2019 um passivo de arrendamento de R$ 1,72 bilhão na controladora e de R$ 1,99 bilhão no consolidado. Esses valores correspondem aos aluguéis de lojas, centros de distribuição e centros logísticos, trazidos ao valor presente. Como efeito do reconhecimento das despesas com lojas como uma despesa financeira, a empresa terá aumento no lucro operacional e queda no lucro líquido.
Anacleto disse que a maioria das empresas ainda têm dúvidas sobre a contabilização de contratos de serviços que se caracterizam como arrendamentos. Ele ponderou que o aluguel de loja é facilmente comparável ao leasing: é um contrato no qual a empresa obtém benefícios econômicos com o uso de um ativo alugado. Mas há outros casos em que a decisão não é tão simples, como contratos de locação de frota e aluguel de equipamentos. “Esse é um problema que as empresas brasileiras enfrentam já de saída”, afirmou.
O analista também observou que muitas empresas mantêm os contratos descentralizados em diversos departamentos e unidades. Ter acesso a todos os contratos é mais complexo.
De acordo com a pesquisa da KPMG, 40% das empresas possuem mais de 500 contratos de arrendamento mercantil e 43% informaram que esses contratos estão dispersos em 10 a 30 escritórios ou lojas. De acordo com a pesquisa da KPMG, 83% das empresas ainda não concluíram a apuração de dados e validação do modelo de cálculo das despesas com arrendamento. E apenas 3% das companhias concluíram o inventário das operações de arrendamento mercantil, os cálculos de gastos com arrendamento e a implantação de um software de contabilidade que inclua a nova norma.
Anacleto acrescentou que a maioria das empresas não possui softwares adequados à nova regra contábil. “A maioria das empresas diz que está fazendo controle com planilhas, não está implantando ainda softwares adaptados”, disse. Globalmente, segundo o estudo, 45% das empresas adotaram softwares adaptados ao IFRS 16.
De acordo com a KPMG, no mundo, as empresas estimam gastar de quatro a seis meses para fazer todos os ajustes contábeis e de controle para se adequarem à nova norma. Do total de empresas, 59% preveem gastar entre US$ 10 mil e US$ 500 mil com o processo de ajustes. “Sem a aquisição de novos softwares, o custo pode ficar até US$ 200 mil”, calculou Anacleto.
Fonte: Valor Econômico