17 set 2018 – IR / Contribuições
Em uma decisão rara, a Justiça Federal de São Paulo considerou prescrita a dívida de R$ 3 milhões de uma empresa que participava do Programa de Parcelamento Especial (Paes). O empreendimento, uma churrascaria de Osasco (SP), foi excluído em 2016 do programa porque o pagamento mensal seria insuficiente para quitar o débito.
Apesar de reconhecer o direito da União em excluir a empresa do programa porque os valores abaixo de R$ 500 mensais seriam insuficientes para quitar o débito, a juíza federal Adriana Freisleben de Zanetti, da 2ª Vara Federal de Osasco, julgou que o Fisco não o fez em tempo hábil e considerou prescrito o prazo para a cobrança.
O Paes, instituído pela Lei n º 10.684, de 2003, adotou como parâmetro para a parcela mínima da dívida, a divisão do saldo devedor em 180 vezes ou 0,3% da receita bruta auferida no mês anterior ao vencimento da parcela. O contribuinte poderia escolher a opção com menor valor, respeitado o mínimo de R$ 100 para microempresa ou de R$ 200 para empresa de pequeno porte.
Segundo especialistas, a possibilidade gerou pagamento de parcelas muito baixas que eternizariam a dívida. Em um caso analisado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, em São Paulo, por exemplo, a empresa demoraria 500 anos para quitar o débito. Por esse motivo, os desembargadores foram favoráveis à exclusão da companhia do parcelamento. (Apelação Cível nº 1642590)
O processo analisado pela Justiça Federal de Osasco é da Churrascaria Recanto Gaúcho. Ao ser excluída em 2016, a empresa buscou o Judiciário sob o argumento de que sua retirada deveria ser anulada por nunca ter deixado de cumprir os requisitos do programa – não pagar as prestações mensais por três meses consecutivos ou seis alternados. Informou que a revisão de sua exclusão administrativamente foi negada. Na ação, pediu subsidiariamente que se fosse considerado irregular o parcelamento, que a data fosse outubro de 2006 e que a dívida fosse julgada prescrita, cancelando-a integralmente.
A Procuradoria da Fazenda Nacional alegou no processo que os pagamentos realizados durante todo o período de parcelamento foram irrisórios, uma vez que uma dívida de R$ 3 milhões nunca poderia ser quitada com recolhimentos mensais inferiores a R$ 500.
O órgão afirmou que a churrascaria foi intimada a recolher valores suficientes para abater no mínimo os juros e parte da dívida principal, mas a empresa não teria tomado qualquer medida. Quanto à prescrição, alegou que esta não teria ocorrido porque a empresa só foi efetivamente excluída em novembro de 2016.
Ao analisar o caso, porém, a juíza Adriana Freisleben de Zanetti considerou que a exclusão do parcelamento foi legítima, pois a dívida jamais seria paga somente com as parcelas mínimas. Contudo, entendeu que em 2006 ao detectar essa situação, a procuradoria deveria ter dado continuidade à cobrança imediatamente, o que não ocorreu. “Esse, portanto, é o momento a partir do qual se restabeleceu a exigibilidade da totalidade do crédito confessado e não pago”, segundo a decisão. De acordo com a magistrada, o Fisco teria até novembro de 2011 para atender as medidas de satisfação do seu crédito. (Processo nº 5000200-44.2017.4.03.6130)
Segundo o advogado da churrascaria, Perisson Andrade, do Perisson Andrade, Massaro, Salvaterra Advogados, “a procuradoria preferiu receber até a 180ª parcela mínima, fazendo o contribuinte acreditar que o parcelamento estava em aberto e somente depois deu prosseguimento à cobrança, muito após os cinco anos que teria para cobrar a dívida resultante do parcelamento considerado irregular”.
Segundo a advogada tributarista Valdirene Lopes Franhani, a decisão reflete uma realidade dos parcelamentos antigos, como o Paes e parte do Refis de 2009, cujas normas propiciaram a interpretação de que a dívida poderia ser paga eternamente pela parcela mínima. No caso do Refis, o mínimo era aceito enquanto não ocorresse a consolidação.
A jurisprudência, porém, determinou o recálculo da dívida e a cobrança pela Receita ou Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para que os contribuintes regularizassem as dívidas. O governo federal também criou outros parcelamentos posteriores que propiciou aos contribuintes excluídos a migração da dívida. “Contudo, nem todos os contribuintes conseguiram migrar para os novos parcelamentos ou tinham condições de pagar a dívida pelo seu recálculo e caberia então à PGFN dar a continuidade à cobrança, seguindo o prazo prescricional de cinco anos”, afirma Valdirene.
Como uma grande quantidade de contribuintes foi excluída, segundo a advogada, houve uma dificuldade da PGFN em monitorar quem migrou e quem conseguiu pagar e quem não o fez. “Isso dificultou claramente o trabalho da PGFN para efetuar a cobrança no prazo de cinco anos”, afirma. Segundo Valdirene, a prescrição pode favorecer os contribuintes com o cancelamento da dívida, ainda que devida, como aconteceu na sentença. “Afinal o direito não socorre quem dorme”, afirma.
Procurada pelo Valor, a PGFN informou por nota que pretende recorrer da decisão.
Fonte: Valor Econômico