19 mar 2018 – IR / Contribuições
A partir do dia 1º de julho, os trabalhadores poderão solicitar a transferência de seus salários para contas de pagamentos, geralmente oferecidas por instituições não bancárias. A nova regra, aprovada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) no mês passado, abre espaço para que empresas de tecnologia financeira (as chamadas “fintechs”) como Nubank, Mercado Pago e PayPal tentem emplacar suas “carteiras virtuais” como a principal conta a ser usada pelo trabalhador para movimentar seu dinheiro. A portabilidade para uma dessas contas, no entanto, só tende a ser vantajosa se o cliente usar constantemente os serviços oferecidos por essas empresas.
Mesmo que algumas fintechs cobrem tarifas mais baratas por serviços como transferências e pagamentos, muitos bancos oferecem pacotes de serviços com descontos e isenção de tarifas para alguns clientes ou até mesmo para os funcionários de empresas das quais detêm a folha de pagamento. Além disso, por determinação do Banco Central, os bancos têm que oferecer uma conta básica, sem nenhum custo, que inclui serviços gratuitos como a realização de até quatro saques por mês, a retirada de dois extratos e duas transferências para contas da mesma instituição. Por isso, a opção por receber o salário por meio de uma conta alternativa deve levar em consideração o estilo de vida daquele usuário.
“Se a pessoa tem uma conta salário, ela normalmente tem isenção de algumas tarifas nos bancos”, afirma o professor Marcos Piellusch, do laboratório de finanças da FIA. Por isso, a migração só é vantajosa quando os outros serviços oferecidos pela instituição são muito usados pelo cliente. “Vamos supor que a pessoa venda ou compre muito pelo Mercado Livre, ou que ela use o Nubank frequentemente. Nesses casos pode ser melhor já ter seu dinheiro nas contas associadas a essas empresas, para não precisar ficar toda hora transferindo recursos”, diz.
A NuConta, conta de pagamentos da empresa de cartões de crédito Nubank, é uma das candidatas a receber o salário dos brasileiros, segundo Piellusch. E alguns dos seus benefícios são oferecidos justamente para quem usa o cartão. O primeiro deles é que, se o pagamento da fatura for feito pela NuConta, ele é reconhecido em tempo real e o limite do cartão, liberado na hora, diferentemente do pagamento feito por bancos, em que o reconhecimento pode demorar até três dias.
Outra vantagem é a possibilidade do aumento do limite, uma vez que o Nubank tem mais informações sobre a vida financeira do seu cliente e pode oferecer a ele mais benefícios. Segundo Cristina Junqueira, fundadora da empresa, a ideia é que no futuro a conta esteja disponível também para clientes que não tenham o cartão de crédito. “Quem sabe até um cliente que não foi aprovado pelo Nubank possa conseguir o cartão conforme movimente sua NuConta”, diz.
Os clientes da NuConta que usam o cartão de crédito podem ter a vantagem indireta de ganhar pontos no programa de fidelidade Rewards. Isso porque o usuário pode concentrar suas compras no cartão de crédito e acumular mais pontos, que são usados para “apagar” da fatura gastos em empresas parceiras, como Uber, Netflix e Airbnb.
Outro atrativo é o rendimento automático do dinheiro que está parado na conta da fintech. A rentabilidade é aproximadamente 100% do CDI independentemente do saldo. Além disso, as transferências via TED são gratuitas e ilimitadas, assim como o pagamento de boletos e contas de consumo.
Segundo Cristina, a NuConta não foi criada para “dar dinheiro”, já que o rendimento é repassado integralmente aos clientes. A ideia é usá-la como porta de entrada para outros serviços. “Nosso objetivo não é ganhar dinheiro com ela. Com base nisso, oferecemos outros produtos atrelados à conta, como cartão de crédito”, diz. O próximo passo, segundo a executiva, é oferecer empréstimos.
Assim como a conta do Nubank tem mais benefícios para quem usa o cartão de crédito da fintech, a “carteira virtual” do Mercado Pago também se mostra mais vantajosa para quem faz muitas compras ou vendas pelo Mercado Livre, site do mesmo grupo que conecta compradores e vendedores de produtos.
O valor disponível na conta virtual – que pode ser depositado via boleto ou vir diretamente de vendas feitas pelo dono da conta no site – pode ser usado para pagar compras feitas no Mercado Livre, com garantia da entrega do produto ou devolução do dinheiro. O saldo da carteira ainda pode ser usado em outros sites de comércio eletrônico que aceitem pagamento via Mercado Pago.
“Um vendedor do Mercado Livre, que tem o site como seu principal canal de vendas, pode concentrar suas movimentações na nossa conta. Ele pode inclusive pagar funcionários por meio do Mercado Pago. E eles podem utilizar nossos serviços para fazer as transações mensais de que precisam”, afirma Tulio Oliveira, diretor da companhia. Ele explica que quem compra muito pela internet também pode usar a conta, que é “rápida e eficaz” para realizar as transações.
Além do uso para compras on-line, a carteira do Mercado Pago oferece serviços como transferências para outras contas bancárias pelo valor de R$ 3, pagamento gratuito de boletos até R$ 4 mil mensais – acima desse valor é cobrada uma tarifa de R$ 4,99 por boleto – e um cartão ligado à conta digital que pode ser usado como se fosse um cartão de débito. Com ele, ainda é possível sacar dinheiro em lotéricas ou em caixas do Banco24horas. O valor de cada saque, no entanto, é de R$ 8,90.
Oliveira afirma que a ideia da conta é oferecer vantagens como transações mais baratas e facilidade no uso, já que ela tem uma interface simples de usar e o processo de abertura é fácil, podendo ser feito digitalmente. “A gente quer que a conta esteja cada vez mais presente no dia a dia do brasileiro”, afirma. A empresa tem planos de oferecer mais serviços e, futuramente, crédito para seus clientes.
O PayPal, que também tem uma carteira virtual, se anima com a mudança. A conta oferecida pela fintech, no entanto, ainda tem limitações. Atualmente, só são permitidas transferências para contas bancárias de mesma titularidade. Entre contas PayPal, no entanto, a transferência é gratuita e em tempo real, o que facilita o envio de dinheiro para outros países, por exemplo. O usuário pode abastecer sua carteira por meio de um boleto gerado no próprio site ou aplicativo do PayPal. O pagamento de boletos e contas ainda não está disponível.
A ideia, segundo Thiago Chueiri, diretor de desenvolvimentos de negócios do PayPal, é ampliar as funcionalidades até o dia 1º de julho. “Estamos trabalhando para adicionar mais funções para o usuário”, afirma, sem dar pistas sobre quais são as prioridades.
Para Piellusch, da FIA, a tendência é que as fintechs ofereçam cada vez mais produtos e serviços semelhantes aos ofertados pelos bancos. No futuro, diz o professor, as instituições bancárias devem responder oferecendo tarifas mais competitivas e outras facilidades.
“Acredito que inicialmente as fintechs vão continuar a oferecer serviços complementares aos bancos, o que ao longo do tempo forçará os bancos a responder, oferecendo mais facilidades. Porém de imediato não acredito que haja grandes mudanças”, afirma o professor.
Em nota, Flavio Iglesias, diretor do Itaú, disse que enxerga a iniciativa de “forma positiva, pois contribuirá para modernizar e aprimorar o sistema financeiro, oferecendo mais alternativas”.
Fonte: Valor Econômico